Em abril 2020, foi publicada a Medida Provisória nº 945/2020, cujo objeto era estabelecer medidas temporárias para enfrentamento da pandemia da Covid-19 no âmbito do setor portuário.
No entanto, na tramitação de tal MP no Congresso,esta acabou servindo de "carona" para a proposição– via emendas legislativas –, de diversasmudanças estruturais na principal Lei do setor portuário, a Lei nº 12.815/2013 que, por sua vez, é regulamentada pelo Decreto nº 8.033/2013.
Sete anos após a entrada em vigor da Lei dos Portos, tais mudanças nas "regras do jogo" acabaram por resultar no que os profissionais atuantes no setor consideraram tratar-se de uma verdadeira "minirreforma" do marco regulatório portuário.
Abaixo apontamos as principais inovações advindas com a minirreforma de 2020:
Tabela 1–Minirreforma portuária de 2020: principais alterações
Fonte: Lei nº 14.047/2020. Elaboração: Agência Porto Consultoria
Feito esse resumo introdutório, em agosto de 2020, após a conversão da MP nº 945/2020 na Lei nº 14.047/2020 e, consolidadas as alterações na Lei dos Portos, o recém-publicado Decreto nº 10.672/2021 – tema objeto do presente artigo – trata de alterar o Decreto nº 8.033/2013, a fim de regulamentar as alterações promovidas na Lei nº 12.815/2013 pela Lei nº 14.047/2020.
No presente artigo, propomo-nos a analisar os principais pontos do Decreto nº 10.672/2021 e fazer uma reflexão inicial sobre seus impactos no setor portuário.
Principais pontos do Decreto nº 10.672/2021
Estudos simplificados para arrendamento
O primeiro ponto a ser analisado é a alteração no artigo 6º do Decreto nº 8.033/2013, na abordagem sobre estudos simplificados para arrendamento, que passou a ter a seguinte redação:
- Art. 6º A realização dos estudos prévios de viabilidade técnica, econômica e ambiental do objeto do arrendamento ou da concessão observará as diretrizes do planejamento do setor portuário, de forma a considerar o uso racional da infraestrutura de acesso aquaviário e terrestre e as características de cada empreendimento.§ 1º Os estudos de que trata o caput poderão ser realizados em versão simplificada, conforme disciplinado pela Antaq, sempre que:I - não haja alteração substancial da destinação da área objeto da concessão ou do arrendamento;II - não haja alteração substancial das atividades desempenhadas pela concessionária ou pela arrendatária;III - o objeto e as condições da concessão ou do arrendamento permitam, conforme estabelecido pelo poder concedente; ouIV - o prazo de vigência do contrato seja, no máximo, de dez anos. (Redação dada pelo Decreto nº 10.672, de 2021)
Dessa forma, foi retirada a limitação do valor de contrato suscetível a esse tipo de contrato que, segundo o MINFRA, dificultava demasiadamente a aplicabilidade do instituto, e manteve-se apenas a limitação de prazo de vigência contratual de até 10 anos.
Contratos de Arrendamento mais complexos e de mais longa duração, que necessitam forçosamente de estudos mais aprofundados, não poderão ser objeto de estudos simplificados.
Dispensa de licitação para arrendamento
Na visão da Agência Porto Consultoria, a dispensa de licitação para arrendamento será aplicada em caráter de exceção e, portanto, o chamamento público não será etapa ritualística de todo e qualquer arrendamento, mas apenas daqueles em que houver a verificação de que não há mais de um interessado na área.
Ou seja, a dispensa de licitação para arrendamento será cabível apenas em casos específicos, quando o poder concedente estiver diante de arrendamentos que, por exemplo, estejam voltados unicamente para atender cadeia logística integrada, unicamente vinculada à uma unidade fabril ou produtora localizada na hinterlândia do porto e que, portanto, possuem apenas um único interessado na área a ser arrendada, não fazendo sentido promover uma licitação, visto não haver concorrência para se promover um certame.
- "Art. 7º-A. A dispensa de licitação de que dispõe o parágrafo único do art. 5º-B da Lei nº 12.815, de 2013, poderá ser realizada quando for comprovada a existência de um único interessado na exploração de instalação portuária localizada no porto organizado.
§ 1º A exploração da instalação portuária observará o plano de desenvolvimento e zoneamento do porto.
§ 2º Para comprovar a existência de um único interessado na exploração da área, a autoridade portuária realizará chamamento público."
Na sequência, o Decreto determina a forma de se apurar que determinada área no porto organizado teria apenas um único interessado, qual seja, a realização de um Chamamento Público.
O artigo 7°-B apresenta as seguintes regras de como a Autoridade Portuária deverá proceder:
- "Art. 7º-B. Para a dispensa de licitação, nos termos do disposto no art. 7º-A, o poder concedente solicitará à autoridade portuária, a qualquer tempo, a abertura de chamamento público por meio de divulgação de instrumento convocatório, observadas as diretrizes do planejamento e das políticas do setor portuário.Parágrafo único. O instrumento convocatório de abertura do chamamento público estabelecerá prazo de trinta dias para identificar a existência de interessados na exploração da área e da instalação portuária, cujo extrato será publicado no Diário Oficial da União e na página eletrônica da autoridade portuária, que conterá minimamente as seguintes informações:I - o objeto, a área e o prazo;
II - o modo, a forma e as condições da exploração da instalação portuária;
III - a previsão de investimentos mínimos de responsabilidade do contratado;
IV - o perfil das cargas a serem movimentadas;
V - a capacidade de movimentação de passageiros ou cargas;
VI - o valor de garantia de proposta a ser oferecida;
VII - o estudo de viabilidade técnica, econômica e ambiental;
VIII - a minuta do contrato de arrendamento; e
IX - o prazo máximo para a abertura de edital de certame licitatório, caso haja mais de um interessado."
É importante ressaltar que será o Poder Concedente a iniciar o processo de Chamamento Público, solicitando à Autoridade Portuária a abertura do chamamento ao mercado.
O prazo para a manifestação de interesse será de 30 dias. A Autoridade Portuária publicará o instrumento convocatório do chamamento, bem como toda a documentação necessária para que o mercado avalie a viabilidade do futuro terminal.
Entre os documentos mencionados, destacamos o EVTEA, fundamental para uma completa avaliação da oportunidade de investimento na área, bem como a apresentação obrigatória de uma garantia da proposta, a qual é sabiamente exigida já durante o chamamento público e tem o intuito de evitar que sejam apresentadas propostas que tenham interesse obscuros de apenas em atrapalhar o processo, sem verdadeiro interesse em explorar a área.
- "Art. 7º-C A pessoa jurídica que estiver interessada em atender ao chamamento público deverá manifestar formalmente seu interesse por meio de documento protocolado junto à autoridade portuária.
§ 1º A manifestação de interesse pressupõe o compromisso da pessoa jurídica a:
I - celebrar o contrato de arrendamento, quando for a única interessada; e
II - apresentar proposta válida em certame licitatório, em caso de haver mais de um interessado.
§ 2º A manifestação deverá estar acompanhada de comprovação da prestação de garantia de que trata o inciso VI do parágrafo único do art. 7º-B."
O artigo 7º-C apresenta dois compromissos importantes para o interessado na área a ser arrendada, além da apresentação da garantia da proposta. O primeiro de assinar com o poder concedente o Contrato de Arrendamento caso seja o único interessado e, caso não seja o único, de apresentar proposta válida em certame licitatório.Percebe-se uma preocupação do Decreto/regulamentação em não permitir interferências inapropriadas, como por exemplo, uma empresa participar apenas para que um concorrente não seja o único interessado e, consequentemente, não tenha que pagar valor de outorga, visto que a licitação será dispensada.
- "Art. 7º-D. Recebida a manifestação de interesse, a autoridade portuária encaminhará os documentos relativos ao instrumento convocatório ao poder concedente para a adoção das providências relativas a:I - celebração do contrato de arrendamento, quando houver um único interessado; ou
II - realização do certame licitatório, em caso de haver mais de um interessado.§ 1º A garantia de proposta de que trata o inciso VI do parágrafo único do art. 7º-B será integralmente restituída após a celebração do contrato de arrendamento.
§ 2º Se houver mais de um interessado, a garantia apresentada no chamamento público será restituída após a apresentação de garantia de proposta válida no âmbito do certame licitatório de que trata o inciso II do caput.§ 3º Decorrido o prazo de que trata o inciso IX do caput do art. 7º-B, as garantias apresentadas no chamamento público serão restituídas."
Ao analisarmos as últimas 50 licitações de arrendamentos portuários – desde 2015 até hoje –, a estatística demonstra que, uma proposta de simplificação como esta faz todo sentido.
Assim, o intuito de querer participar de um Chamamento Público apenas para provocar uma licitação terá um custo. Não acreditamos que tal regra impedirá em definitivo a possibilidade de ocorrência de casos como este, mas, de qualquer forma, trata-se de uma regra inibidora.
O artigo 7º - Dacima continua com o detalhamento sobre a apresentação de propostas. Podemos perceber que a questão das garantias está mais detalhada, determinando que as garantias apresentadas no Chamamento Público serão restituídas quando da assinatura do contrato (caso de único interessado), ou substituídas pela garantia de proposta do certame licitatório, caso haja licitação.
Tabela 2 – Quadro com a Apuração dos Resultados dos Leilões Portuários
Fonte: MINFRA. Elaboração: Agência Porto Consultoria
Em estudo realizado pela Agência Porto Consultoria Portuária, podemos verificar que 56% das licitações não tiveram interessados ou tiveram apenas um interessado. Ou seja, mais da metade dos certames poderiam ter se enquadrado à nova regra!
É um número significativo, que envolvem custos administrativos e operacionais que poderiam ser poupados com a simples aplicação da nova regra. O número também mostra o baixo interesse em ativos portuários pela iniciativa privada.
Parte desse desinteresse é explicado pelo fato de ser muito mais fácil construir um Terminal de Uso Privado (TUP) do que ter um contrato de arrendamento em porto público. Corroborando ainda mais para esse desinteresse o fato de que parte dessas licitações eram referentes a cargas/cadeias verticalizadas, típicas do agronegócio e granéis sólidos, para os quais estes terminais constituem um centro de custo.
Prazo para realização do leilão e obrigatoriedade de realização de audiência pública
Na sequência, o artigo 11 do Decreto nº 10.672/2021 traz uma importante mudança nas regras para a licitação da concessão e do arrendamento.
Anteriormente, o Decreto nº 8.033/2013 determinava o prazo mínimo de 100 (cem) dias entre a publicação do Edital e a data para apresentação das propostas no Leilão.
- "Art. 11. O edital estabelecerá prazo mínimo para a apresentação de propostas, contado da data de sua publicação, observado o prazo mínimo legal.
[ .. ]
§ 3º Quando o valor do contrato superar o limite estabelecido em ato da Antaq, deverá ser convocada audiência pública com antecedência mínima de dez dias úteis de sua realização, a qual deverá ocorrer com antecedência mínima de quinze dias úteis da data prevista para a publicação do edital."
A partir de agora, este prazo será definido em cada Edital, obedecido o prazo mínimo previsto na legislação pertinente, qual seja, a nova Lei de Licitações. A ideia é não ter mais a amarra dos 100 dias, podendo esse prazo ser bem menor se o Edital assim o definir e desde que respeitada a Lei de Licitações, o que demonstra uma postura de simplificação/aceleração dos processos licitatórios.
A iniciativa privada terá que se adaptar e ser ágil, preparando-se para a disputa a partir das Audiências Públicas ou da indicação,já no PPI, de que determinada área será ofertada. O prazo de 100 dias existente era específico para os leilões portuários e permitia que os interessados a comodidade de só começassem a analisar a viabilidade de se apresentar proposta no leilão após a publicação do Edital.
Esse tempo deve encurtar e variar conforme a complexidade do projeto da área a ser arrendada e o tempo necessário para que o mercado avalie referido projeto.
No que tange à obrigatoriedade de ser realizar audiência pública nos leilões portuários de concessão e arrendamento, o artigo 2º do Decreto nº 10.672/2021 regulamenta o artigo 11 do Decreto nº 8.033/13 da seguinte forma:
- "Art. 2º A Antaq terá o prazo de cento e vinte dias, contado da data de publicação deste Decreto, para estabelecer o valor de que trata o § 3º do art. 11 do Decreto nº 8.033, de 2013. Parágrafo único. Fica estipulado o valor de R$ 330.000.000,00 (trezentos e trinta milhões de reais) até que a Antaq estabeleça o valor de que trata o caput."
Para melhor entender, vejamos o que trata o § 3º do art. 11 do Decreto nº 8.033/2013:
- "§ 3º Quando o valor do contrato superar o limite estabelecido em ato da Antaq, deverá ser convocada audiência pública com antecedência mínima de dez dias úteis de sua realização, a qual deverá ocorrer com antecedência mínima de quinze dias úteis da data prevista para a publicação do edital."
Ou seja, o que foi definido no Decreto é o prazo de 120 dias para a ANTAQ definir o limite do valor do contrato a partir do qual será obrigatória a realização de audiência pública, estabelecendo provisoriamente o valor de R$ 330 milhões até que não seja editado este ato da ANTAQ.
Concessões de porto organizado
O artigo 19 do Decreto nº 10.672/2021 vem na lógica de adaptar o Decreto nº 8.033/2013 à nova redação do Marco Regulatório (Lei nº 12.815/13).
Como vimos no início deste artigo, aLei nº 14.047/2020 separou os conceitos de Concessão e Arrendamento, anteriormente com regras comuns. Ao determinar regras diferenciadas para Concessão e Arrendamento na Lei, era preciso também o fazer no Decreto que a regulamenta.
- "Art. 19. Os contratos de concessão e de arrendamento terão prazo determinado, prorrogável por sucessivas vezes, a critério do poder concedente, observados os seguintes limites:I - no caso de concessão de porto organizado, os contratos terão prazo de vigência de até setenta anos, incluídos o prazo de vigência original e todas as prorrogações; e
II - no caso de arrendamento de instalação portuária, os contratos terão prazo de vigência de até trinta e cinco anos, e poderão ser prorrogados até o máximo de setenta anos, incluídos o prazo de vigência original e todas as prorrogações.
[ .. ]
§ 4º Ressalvadas as exceções estabelecidas em ato do poder concedente, o interessado deverá manifestar formalmente interesse na prorrogação do contrato ao poder concedente, observados os seguintes prazos mínimos de antecedência:
I - noventa meses, no caso de contrato de concessão de porto organizado; ou
II - sessenta meses, no caso de contrato de arrendamento de instalação portuária.
[ .. ]Art. 21. ...
[ .. ]
§ 2º Os contratos celebrados entre concessionária e terceiros terão sua vigência máxima limitada ao prazo previsto para a concessão, ressalvados os casos em que houver expressa autorização do poder concedente para a celebração de contrato cujo prazo de vigência ultrapasse o período de concessão."
A principal alteração é referente aos prazos. A "primeira pernada" do prazo da Concessão poderá ter prazo diferente do Arrendamento. A primeira poderá ter prazo inicial de até 70 anos e o arrendamento de até 35, este último podendo chegar a 70 anos.A regra antes em vigor estabelecia que tanto o contrato de concessão como o contrato de arrendamento poderiam ter prazo determinado de até 35 anos em suas "primeiras pernadas".
Na prática, isso significa que poderemos ter concessões de portos públicos com prazos iniciais de vigência de, por exemplo, 20, 30, 40, 50,ou de até 70 anos, não podendo ultrapassar esse último prazo, inclusas aí todas suas possíveis prorrogações.
Já no Arrendamento, o prazo inicial de vigência fica limitado ao máximo de 35 anos, sendo esse o limite máximo de prazo em que um arrendamento pode ser licitado.
Outra alteração saudável foi a ampliação do prazo mínimo de antecedência para que os titulares do contrato de arrendamento e de concessão pleiteassem a prorrogação de seus contratos. Este prazo era de 60 meses,tanto para a concessão como para o arrendamento.
Agora, o prazo mínimo de antecedência para a concessão aumentou para 90 dias em relação ao encerramento da vigência, dando prazo hábil para que poder concedente e concessionária negociem a prorrogação.
Contrato de Uso Temporário (CUT)
O Decreto nº 10.672/2021 igualmente regulamenta mais uma inovação da Lei 14.047/2020: O Contrato de Uso Temporário.
Apesar de ser uma inovação na Lei, o CUT não é uma inovação no sistema portuário. O Contrato de Uso Temporário,regulamentado por Resolução da ANTAQ, teve sua aplicação impedida pela Justiça Federal em resposta à denúncia do Ministério Público, que em síntese, que uma Resolução da ANTAQ não poderia criar tal instrumento, visto que o mesmo não estava previsto na Lei dos Portos.
A redação do Artigo 25-A do Decreto nº 8.033/2013 (dada pelo Decreto nº 10.672/2021) traz as regras para se celebrar um Contrato de Uso Temporário, muito semelhante às regras anteriormente existentes na Resolução da ANTAQ para o mesmo objeto.
Destacamos em negrito as principais delas:
- "Seção VI
Do uso temporário e das licitações
Art. 25-A. A administração do porto organizado poderá pactuar com o interessado na movimentação de cargas com mercado não consolidado o uso temporário de áreas e instalações portuárias localizadas na poligonal do porto organizado, dispensada a realização de licitação.
§ 1º Considera-se carga com mercado não consolidado a mercadoria não movimentada regularmente no porto organizado nos últimos cinco anos e que tenha demandado, em média, menos de uma atracação mensal no mesmo período.
§ 2º A utilização da área objeto de contrato de uso temporário deverá estar compatível com o plano de desenvolvimento e zoneamento aprovado pelo poder concedente.
§ 3º O contrato de uso temporário terá o prazo improrrogável de até quarenta e oito meses.
§ 4º Na hipótese de haver mais de um interessado na utilização de áreas e instalações portuárias e inexistir disponibilidade física para alocar todos os interessados concomitantemente, a administração do porto organizado promoverá processo seletivo simplificado para a escolha do projeto que melhor atender ao interesse público e do porto organizado, assegurados os princípios da isonomia e da impessoalidade na realização do certame.
§ 5º Os investimentos vinculados ao contrato de uso temporário ocorrerão exclusivamente às expensas do interessado, sem direito a indenização de qualquer natureza.
§ 6º Decorridos vinte e quatro meses do início do contrato de uso temporário da área e da instalação portuária, ou, prazo inferior, por solicitação do contratado, e verificada a viabilidade do uso da área e da instalação, a administração do porto organizado adotará as medidas necessárias ao encaminhamento de proposta de licitação da área e das instalações existentes.
§ 7º A utilização da área implicará o pagamento das tarifas portuárias pertinentes, as quais poderão ser acrescidas de parcela remuneratória variável estabelecida pela autoridade portuária competente.
§ 8º O alfandegamento das áreas e das instalações portuárias afetadas ao uso temporário deverá estar sob a responsabilidade do titular da instalação portuária.
§ 9º É permitida a transferência da titularidade do contrato de uso temporário, nos termos, nos prazos e nas condições previstas na legislação.
§ 10 Ato da Antaq disporá sobre o processo seletivo simplificado e sobre as regras de contratação de uso temporário de que trata este artigo."
O Contrato de Uso Temporário (CUT) só poderá ser celebrado para cargas não consolidadas no porto objeto do pedido. Entende-se por carga não consolidada cargas não movimentadas regularmente nos últimos 5 anos, e que tenha demandado, em média, menos de uma atracação mensal no mesmo período. E o prazo será de até 48 meses, improrrogável.Outra novidade é a previsão de que, além das tarifas portuárias, a autoridade portuária poderá cobrar do titular de contrato de uso temporário, uma remuneração variável.
Regras para a realização de investimentos não previstos nos contratos de arrendamento e concessão
Na sequência, um importante avanço que tende a destravar investimentos, sobretudo nos terminais arrendados, é a introdução dos parágrafos 9° e 10 ao artigo 42 do Decreto nº 8.033/2013.
- "Art. 42. ...
§ 9º O arrendatário de instalação portuária e o concessionário de porto organizado poderão realizar investimentos não previstos no contrato, dispensadas a aprovação do poder concedente e a análise prévia da Antaq, desde que exclusivamente às suas expensas e sem que haja recomposição do equilíbrio econômico-financeiro do contrato.
§ 10. Na hipótese prevista no § 9º, quando se tratar de investimento realizado por arrendatário de instalação portuária, serão necessárias a autorização prévia da administração do porto e a comunicação ao poder concedente e à Antaq."
Pelas regras anteriores, todo e qualquer investimento não previsto no contrato precisava ser aprovado pelo poder concedente, precedida de análise do impacto do investimento na matriz econômico-financeira do contrato.
A partir das novas regras, os titulares de arrendamentos e concessões portuárias poderão fazer novos investimentos sem autorização do poder concedente e prévia análise da ANTAQ, desde que optem por fazê-lo por sua própria conta e risco, sem direito a qualquer indenização e direito a reequilíbrio contratual.
No caso de contrato de arrendamento, será necessária apenas a prévia autorização da Autoridade Portuária e a comunicação ao poder concedente e à ANTAQ.
Tal regra, simplificadora, certamente deverá destravar muitos investimentos com tais características.
Considerações finais
Na mesma linha do que fez a minirreforma portuária de agosto/2020, o objetivo do novo decreto regulamentador foi o de avançar e instituir regras de flexibilização dos contratos de exploração de infraestrutura pública portuária (no caso, arrendamento, concessão e uso temporário).
Esta flexibilização das regras parece ter um objetivo bem definido: dar aos portos públicos mais condições de atração de investimentos privados, principalmente diante da constatação de que, após a entrada em vigor da Lei nº 12.815/2013, houve uma grande expansão dos terminais e portos privados em todo o país, causada por uma preferência dos investidores privados por terminais e portos privados.
Diante disso, pode-se afirmar que, a partir das novas regras instituídas (edição da Lei nº 14.047/2020 e do Decreto nº 10.672/2021), o governo espera reduzir a assimetria regulatória atualmente existente, colocando os portos públicos em condições de competir com os terminais e portos privados na atração de investimentos da iniciativa privada.
Precisaremos aguardar os próximos capítulos do desenvolvimento da infraestrutura portuária brasileira para avaliar se a implementação de toda esta mudança normativa ocorridarecentemente– durante a Pandemia da Covid-19–, colocará, de fato, nossos portos públicos em pé de igualdade com os portos/terminais privados do país, sem deixar de perder de vista que tais investimentos devem sempre estar diretamente atrelados à efetivação da finalidade última da Lei dos Portos, qual seja: a de garantir a modicidade e a publicidade das tarifas e preços praticados no setor, a qualidade da atividade prestada e a efetividade dos direitos dos usuários dos portos, sejam eles pequenos ou grandes (art. 3º, II da Lei dos Portos).
Assinatura dos responsáveis técnicos da Agência Porto Consultoria pelo artigo:
Fabrizio Pierdomenico
João Octávio de Azevedo Neto
Juliana Machado de Souza