Nesse sentido, o presente boletim pretende informar e analisar as características centrais do Decreto nº 8.437, sobretudo em relação aos licenciamentos de empreendimentos portuários, apontando os benefícios e pontos críticos identificados pela Agência Porto Consultoria.
CONTEXTUALIZAÇÃO
Conforme prevê o artigo 23 de nossa Constituição Federal, é de competência comum dos entes federativos – União, Estados, Distrito Federal e Municípios –, o licenciamento ambiental dos empreendimentos e atividades consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou capazes de causar degradação ambiental, de modo que cabe aos órgãos ambientais, nas três esferas federativas, atuar estabelecendo as condições, restrições e medidas de fiscalização necessárias a serem aplicadas a cada empreendimento.
Contudo, a ausência de definição clara dos limites da competência dos órgãos ambientais envolvidos no processo de licenciamento tem ocasionado considerável insegurança jurídica aos empreendedores, que constantemente são surpreendidos por questionamentos e, por vezes, até mesmo suspensões de atividades, em custosas e longas ações civis públicas.
Com vista ao equilíbrio da atuação dos entes federativos, já havia sido editada a Lei Complementar nº 140/2011, estabelecendo as regras de cooperação e os limites de ação dos órgãos ambientais, com o objetivo de encerrar definitivamente os conflitos de competência existentes.
Contudo, em que pese o alento que o novo regramento trouxe aos empreendimentos passíveis de licenciamento ambiental, a Lei Complementar não se mostrou como mecanismo efetivo a evitar as disputas judiciais e conflitos na definição da autoridade competente.
Na verdade, o aumento considerável de ações civis públicas suspendendo importantes obras no âmbito nacional – como, por exemplo, os empreendimentos hidrelétricos no Rio Tapajós e, no setor portuário, o caso emblemático do projeto de expansão do Porto de São Sebastião, o qual teve sua Licença Prévia do IBAMA suspensa, em 2013, por liminar concedida em ação civil pública –, demonstra a insegurança jurídica que ainda permeia o licenciamento ambiental no país.
Nesse contexto, e em um momento fortemente marcado pelas novas concessões de infraestrutura do Governo Federal, o Decreto nº 8.437/2015 surge com o objetivo de suprir as omissões da Lei Complementar, esclarecendo os limites de atuação da União.
DISPOSIÇÕES DO DECRETO FEDERAL Nº 8.437/2015 PARA O LICENCIAMENTO PORTUÁRIO
O referido Decreto estabelece o tipo de empreendimento que deve ser licenciado no IBAMA, órgão federal ligado ao Ministério do Meio Ambiente, e, por diferença, a competência dos órgãos ambientais estaduais e municipais. Para tanto, adotou como critério básico o porte do empreendimento.
Em síntese, segundo o mencionado regulamento, passa a ser de competência da União (IBAMA) o licenciamento ambiental dos seguintes empreendimentos ou atividades, observados certos limites de volume de carga ou capacidade instalada:
- Rodovias, ferrovias e hidrovias federais;
- Portos organizados;
- Terminais de uso privado e instalações portuárias;
- Exploração e produção de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos em hipóteses específicas; e
- Sistemas de geração e transmissão de energia elétrica (usinas hidrelétricas, termelétricas e eólicas, no caso de empreendimentos e atividades offshore e zona de transição terra-mar).
Especificamente para o setor portuário, o Decreto define como “pontos de corte” os seguintes limites de volume de carga:
a) 450.000 TEU/ano; ou
b) 15 milhões de toneladas/ano.
Ou seja, em relação aos portos, o licenciamento passa a ser tratado pelo instituto federal apenas quando os projetos de portos públicos envolverem movimentação de carga superior a 15 milhões de toneladas ou 450 mil TEU anuais. O mesmo critério serve para os terminais de uso privado e demais instalações portuárias de que venham a ser desenvolvidos por empresas.
Cabe ressaltar que as novas regras passam a valer somente para aqueles empreendimentos que iniciarem seus processos de licenciamento ou renovação do licenciamento após 23 de abril de 2015, conforme dispõe o art. 4º do decreto:
Art. 4º Os processos de licenciamento e autorização ambiental das atividades e empreendimentos de que trata o art. 3º iniciados em data anterior à publicação deste Decreto terão sua tramitação mantida perante os órgãos originários até o término da vigência da licença de operação, cuja renovação caberá ao ente federativo competente, nos termos deste Decreto.
§ 1º Caso o pedido de renovação da licença de operação tenha sido protocolado no órgão ambiental originário em data anterior à publicação deste Decreto, a renovação caberá ao referido órgão.
§ 2º Os pedidos de renovação posteriores aos referidos no § 1º serão realizados pelos entes federativos competentes, nos termos deste Decreto.
Contudo, é possível verificar que para os empreendimentos com processos já iniciados, estes deverão ser concluídos até a fase final com emissão da respectiva licença de operação (LO), ficando, após este período, a cargo dos entes competentes estipulados no decreto.
POSIÇÃO DA AGÊNCIA PORTO CONSULTORIA
Com a divisão de competências entre o órgão ambiental federal e os órgãos ambientais estaduais e municipais, a análise dos pedidos de licenciamento ambiental tende a ser mais célere, uma vez que o decreto elimina uma lacuna que existia, pondo fim à subjetividade imposta nos regulamentos anteriores, a qual levava o Ministério Público a exigir diversas licenças ambientais para o mesmo empreendimento. A tendência é diminuir, a partir de agora, as discussões judiciais sobre competência para licenciamento ambiental.
Outrossim, espera-se uma maior celeridade nos processos de licenciamento ambiental uma vez que os órgãos ambientais estaduais ganharam autonomia e têm competência para realizar mais processos de licenciamento no setor portuário, considerando os empreendimentos definidos no decreto, impedindo que o IBAMA fique assoberbado com processos que deveriam ficar a cargo dos órgãos estaduais.
No que tange às minutas dos Editais previstas para o processo de licitação dos arrendamentos portuários propostos pelo Governo Federal, entende-se que a publicação do presente Decreto não exigirá nenhuma mudança nos mesmos, já que em tais editais a convocação do vencedor da licitação para assinatura do Contrato de Arrendamento diz ser precedida de manifestação formal do órgão ambiental competente, em relação ao licenciamento ambiental, nos termos do art. 14, inciso III, da Lei nº 12.815/2013.
Ou seja, os editais são genéricos e não definem expressamente qual será o órgão licenciador em cada caso, permitindo, assim, a aplicação direta do Decreto nº 8.437/2015 para casa caso. Contudo, como tais licenciamentos serão iniciados após a vigência do decreto, caberão aos futuros arrendatários licenciar seus empreendimentos perante o ente licenciador competente, já nos termos do novo decreto.
A respeito dos volumes de carga propostos como referência para delimitar a competência do licenciamento para portos e terminais (450.000 TEU/ano ou 15 milhões de toneladas/ano), segundo a Agência Porto Consultoria é provável que tais parâmetros englobem tanto a capacidade já existente do porto/terminal como também a “ampliação de capacidade” prevista, sendo que provavelmente cada caso será analisado no momento do início do processo de licenciamento. Ou seja, no caso de licenciamento de empreendimento novo, acredita-se que será considerada a movimentação total futura da nova atividade, enquanto que no caso de um empreendimento já em atividade, que já possui licença de operação e que prevê uma ampliação de seu negócio, o órgão ambiental originário analisará também a nova configuração e, dependendo do total a ser movimentado com a ampliação, o processo de licenciamento passará ou não ao órgão ambiental competente.
Quanto à ordem de grandeza de tais valores, verifica-se que, segundo dados de 2014, portos como o de Santos, Paranaguá, Rio Grande, Vila do Conde, Itaguaí, Suape e Itaqui deverão ser licenciados pelo IBAMA, uma vez que superam os valores de 450.000 TEU/ano ou 15 milhões de toneladas/ano.
Por outro lado, é importante frisar que, infelizmente, o Decreto nº 8.437 acabou não incluindo nenhum parâmetro para os licenciamentos de terminais de passageiros, tendo deixado sem regulamentação este tipo de empreendimento, não menos importante que os terminais de cargas.
Além disso, o breve decreto não elimina todas as lacunas da Lei Complementar nº 140/2011, relacionadas aos limites de cooperação entre os entes federativos. O aumento significativo dos conflitos relacionados a duplas autuações dos agentes públicos ainda carece de maior regulamentação pelo Poder Público, e demonstra a instabilidade que ainda permeia a titularidade da fiscalização ambiental. Ademais, para que a regulamentação do licenciamento seja completa, ainda permanece pendente que todos os Estados também estabeleçam os empreendimentos e atividades que pretendem licenciar, bem como os que ficarão a cargo dos Municípios.
De forma geral, contudo, pode-se dizer que o novo Decreto buscou definir de forma objetiva e clara as características dos empreendimentos e atividades cuja competência para o licenciamento pode ficar a cargo do IBAMA.
Apesar de não sanar todas as divergências de interpretação da Lei Complementar nº 140/2011, as novas regras certamente auxiliarão na definição da competência da União no licenciamento ambiental, pondo fim a inúmeros conflitos de competência, e, por consequência, trazendo mais celeridade e melhora do procedimento de licenciamento ambiental, dando mais segurança jurídica aos empreendedores que pretendem investir em obras de infraestrutura no Brasil.
Sendo o que se tinha para o momento, colocamo-nos à disposição para quaisquer esclarecimentos adicionais.
Santos, 2 de junho de 2015.
Camila Vasques dos Santos Ferreira Juliana Machado de Souza
camila@agenciaporto.com juliana@agenciaporto.com
AGÊNCIA PORTO CONSULTORIA
[1] Art. 1º Este Decreto estabelece, em cumprimento ao disposto no art. 7º, caput, inciso XIV, “h”, e parágrafo único, da Lei Complementar nº 140, de 8 de dezembro de 2011, a tipologia de empreendimentos e atividades cujo licenciamento ambiental será de competência da União.