TCU

BOLETIM Nº 3/2014 - Reflexões sobre o acórdão do TCU e o inventário de bens portuários no Brasil

| 08 Jun, 2014
Em 10 de dezembro de 2013, em sessão extraordinária, o Tribunal de Contas da União (TCU) proferiu acórdão (Processo TC nº 029.083/2013-3) sobre o Bloco I de Licitações Portuárias, que envolve o arrendamento de áreas no Porto de Santos e nos portos do Pará.

Dentre as 19 providências (com seus inúmeros subitens) determinadas pelo TCU à SEP, duas delas chamaram particularmente nossa atenção, pelos motivos que, na sequência, explicaremos:

“ [...] 9.1.8. elaboração de metodologia clara e objetiva para definir a forma de levantamento dos bens reversíveis existentes nas áreas consideradas brownfield a serem licitadas, de suas condições de conservação e de definição de seus valores, motivando de forma adequada, inclusive, a opção de não efetuar diagnóstico de todos os bens, se for o caso; 

9.1.9. realização do levantamento referido no subitem anterior e revisão das projeções de novos investimentos e de custos operacionais dos projetos a serem licitados, de forma a atualizar o valor dos aluguéis das áreas e as tarifas resultantes do fluxo de caixa, nos casos em que houver tal necessidade; [...]”

Parece-nos óbvio e lógico que, para aqueles terminais brownfield, em cujas áreas já se encontram ativos que poderão auxiliar a futura operação portuária, posto que se em sua maioria já se encontram em operação, haja um levantamento dos bens atualmente existentes.

Isso por dois motivos principais. Primeiro, para que os licitantes possam ter conhecimento preciso daquilo que também será objeto do próprio arrendamento, sobretudo as condições de conservação dos bens existentes, condição imprescindível para a projeção dos novos investimentos e dos custos operacionais que constituem o fluxo de caixa do novo projeto, dado que dependem da estrutura já existente.

E, segundo, mas não menos importante, para que a transição do velho para o novo arrendatário seja satisfatória para todos os envolvidos (Autoridade Portuária, ex-arrendatário, novo arrendatário, SEP, ANTAQ e, principalmente, usuários do porto), evitando-se, assim, inseguranças jurídicas e eventuais litígios jurídicos.

A Portaria nº 38 da SEP, que autorizou a empresa Estruturadora Brasileira de Projetos S.A. (EBP) a desenvolver projetos, estudos de viabilidade técnica econômica, ambiental e operacional, levantamentos e investigações destinados a subsidiar a SEP na preparação dos procedimentos licitatórios portuários, incluindo o Bloco I, estabeleceu, em seu Anexo 2, que tais estudos técnicos deveriam contemplar, em seu escopo, o seguinte:

“[...] 3.2. ESTUDOS PRELIMINARES DE ENGENHARIA E AFINS

Os estudos preliminares de engenharia e afins serão compostos por: inventário das condições existentes, modelagem operacional, e estimativa de custos de investimento (CAPEX) e operação (OPEX), conforme detalhamento a seguir.

3.2.1. Inventário das condições existentes

3.2.1.1. Os estudos preliminares de engenharia deverão inicialmente apresentar o inventário das instalações existentes do porto, com descrição e detalhamento dos bens que constituirão a concessão (infraestrutura, superestrutura e equipamentos), a situação patrimonial das áreas que compõem o atual sítio portuário, a descrição atual das operações, a identificação de gargalos físicos e operacionais. [...]” (grifo nosso)

Apesar disso, diante do acórdão do TCU, observa-se que os estudos (EVTEA) realizados pela EBP não foram em nada satisfatórios com relação ao inventário de bens das áreas brownfield. Tanto é que o tema foi destacado pela própria Comissão Mista de Avaliação (CMSA) dos estudos, a qual atribuiu notas muito baixas ao EVTEA quanto a esse quesito, em função da inexistência de detalhes acerca dos bens existentes nos terminais e/ou de seu estado de conservação.O mais intrigante é que, mesmo diante da constatação de que não há nenhum controle sistematizado dos ativos portuários da União e de que os EVTEAs também não o haviam inventariado, a Diretoria da ANTAQ, optou por adotar a seguinte estratégia nas minutas jurídicas do Bloco I, qual seja:

Atribuir ao licitante a prerrogativa e o dever de avaliar as áreas e assumir o risco de recebê-las no estado em que se encontrem no momento da efetiva entrega de sua posse. Ademais, os documentos contratuais preveem a elaboração de um inventário de bens existentes no momento em que ocorre a assunção dos bens pelo novo arrendatário, mediante a expedição de um Termo de Aceitação Provisória, a ser substituído no prazo máximo de 60 dias por um Termo de Aceitação Definitiva.

Ora, como bem apontou o acórdão do TCU, o valor dos investimentos existentes impacta na estimativa dos aportes de recursos que deverão ser feitos pelo futuro arrendatário, o que, por sua vez, repercute em todas as saídas no fluxo de caixa, como aluguel ou tarifas, se for o caso. Se o investimento existente estiver subestimado, por exemplo, os novos investimentos estarão superestimados, e, com isso, também estará subestimado o valor do aluguel que será pago à autoridade portuária ao longo dos 25 anos da concessão.

Além disso, assumindo-se que os agentes econômicos são racionais, incertezas acerca dos bens existentes nos terminais e de seus valores serão consideradas um risco do negócio, o qual acabará por ser precificado pelos interessados, repercutindo negativamente na tarifa ou movimentação ofertados no momento de realização do leilão. Esse efeito negativo do risco, embutido na proposta vencedora, será sentido ao longo dos 25 anos da concessão.

Isso sem contar que a ausência do levantamento dos bens vinculados à concessão pode gerar assimetrias de informações no procedimento licitatório, gerando vantagens a determinados competidores. No caso, o atual arrendatário, conhecedor dos ativos vinculados às operações, tem em sua posse informações detalhadas acerca de sua existência e conservação. Diante disso, este último terá condições de elaborar uma proposta em situação mais vantajosa do que a dos seus concorrentes. Esse assunto, inclusive, foi levantado em audiência pública presencial ocorrida em Santos em 30/8/2013 para discutir o Bloco I de arrendamentos. O levantamento dos bens aqui discutido tem, dentre outros objetivos, mitigar tal assimetria de informações.

Ademais, é importante ressaltar aqui outro problema diretamente relacionado com o levantamento de ativos, qual seja, a reversibilidade dos bens. Isso porque a grande maioria dos contratos de arrendamento deixa margens a interpretações sobre quais são os bens reversíveis. De maneira geral, observa-se que tais contratos adotaram o critério da imobilidade para definir aquilo que é reversível ou não. Dessa maneira, para o Bloco I, o Poder Concedente adotou como premissa geral que os seguintes ativos seriam reversíveis: “obras civil, parte das estações de descarregamento de trens e caminhões, correias transportadores, torres de transferência, shiploaders e dutos”.

Ocorre que, se examinarmos literalmente, por exemplo, um shiploader seria um bem móvel, pois, por maior que seja a complexidade, seria possível removê-lo do porto, mesmo que não tenha nenhuma utilidade fora das operações portuárias. O mesmo pode ser dito dos equipamentos de tancagem, os quais, embora passíveis de serem retirados das instalações, são de fundamental importância para a continuidade das operações portuárias.

Assim, parece-nos que o critério da imobilidade adotado pela SEP não é suficientemente adequado para definir aquilo que é reversível ao final do arrendamento. Nesse sentido, é importante que a SEP dê atenção a este tema, adotando, no mínimo para os próximos contratos de arrendamento regras claras, inclusive prevendo cláusulas que descrevam os bens que serão reversíveis ao final do contrato. Segundo análise das minutas jurídicas dos Blocos I e II, parece-nos que tal providência será solucionada pela SEP, uma vez que ficou definido que todos os “Bens do Arrendamento” serão imediatamente revertidos ao Poder Concedente, sendo tais bens “todos aqueles vinculados à operação e manutenção das atividades” do terminal.

Apesar de ser difícil de acreditar, todo este imbróglio envolvendo tão relevante tema revela que não há nos portos públicos do Brasil um controle sistematizado dos ativos existentes. Para piorar a situação, não há na novel legislação portuária editada, nenhuma norma que defina de quem é a competência para inventariar tais bens. Nem mesmo o Decreto nº 8.033, que regulamentou a nova Lei dos Portos, menciona esta questão.

Espera-se que, diante do acórdão do TCU, e para o bem do andamento dos futuros arrendamentos, a Secretaria de Portos possa dar rapidamente solução a tão importante tema.

Santos, 13 de janeiro de 2014.



 Agência Porto Consultoria

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