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BOLETIM Nº 9/2014 – A Comissão Nacional para Assuntos de Praticagem (CNAP) e sua difícil tarefa de regular os preços da praticagem

| 05 Ago, 2014
Recentemente, ocorreram mudanças normativas que envolvem o setor da praticagem. Em 7 de dezembro de 2012 foi publicado, juntamente com a Medida Provisória 595, que implementou mudanças importantes no marco regulatório do setor portuário brasileiro, o Decreto nº 7.860/2012.

O mencionado Decreto criou a denominada Comissão Nacional para Assuntos de Praticagem (CNAP), composta por 5 membros titulares, representantes dos seguintes órgãos:

  • Ministério da Defesa, representado pela Autoridade Marítima, que a presidirá;

  • Secretaria de Portos da Presidência da República, que exercerá a função de secretaria-executiva;

  • Ministério da Fazenda;

  • Ministério dos Transportes; e

  • Agência Nacional de Transportes Aquaviários.


As competências da CNAP estão previstas no art. 1º do Decreto nº 7.860/2012 e envolvem a propositura de:

1)     metodologia de regulação de preços do serviço de praticagem;

2)     preços máximos do serviço de praticagem em cada Zona de Praticagem;

3)     medidas para o aperfeiçoamento da regulação do serviço de praticagem em cada Zona de Praticagem; e

4)     abrangência de cada Zona de Praticagem.

Ainda no tocante às alterações trazidas pelo Decreto nº 7.860/2012, especificamente quanto ao preço do serviço de praticagem, objeto principal do presente Boletim, contata-se ter havido considerável mudança na sistemática de fixação do preço de tais serviços.

Isso ocorre, pois o Decreto nº 7.860/2012 alterou a redação do artigo 6º do Regulamento de Segurança de Tráfego Aquaviário (RLESTA), que regulamentava a fixação do preço da praticagem.

A redação original do mencionado dispositivo estabelecia que:

Art. 6º A aplicação do previsto no inciso II do parágrafo único do art. 14 da Lei nº 9.537, de 11 de dezembro de 1997, observará o seguinte:

I - o serviço de praticagem é constituído de prático, lancha de prático e atalaia;

II - a remuneração do serviço de praticagem abrange o conjunto dos elementos apresentados no inciso I, devendo o preço ser livremente negociado entre as partes interessadas, seja pelo conjunto dos elementos ou para cada elemento separadamente;

III - nos casos excepcionais em que não haja acordo, a autoridade marítima determinará a fixação do preço, garantida a obrigatoriedade da prestação do serviço. (grifos nossos)

Com o advento do Decreto nº 7.860/2012, suprimiram-se do artigo 6º do RLESTA os incisos II e III, ficando o texto do mencionado artigo da seguinte forma:

Art. 6º O serviço de praticagem é constituído de prático, lancha de prático e atalaia.

Assim, o Decreto nº 7.860/2012, além de criar a CNAP para discutir e elaborar propostas de melhorias à Marinha do Brasil, eliminou do ordenamento jurídico a previsão legal que amparava a livre negociação dos preços da praticagem entre práticos e armadores. Segundo a redação original do artigo 6º do RLESTA, a DPC atuava na fixação dos preços apenas em casos excepcionais, quando inexistia consenso entre os contratantes.

Mesmo inexistindo esta antiga previsão legal, permanece em vigor o art. 14 da Lei de Segurança de Tráfego Aquaviário (LESTA), que preleciona o seguinte:

Art. 14. O serviço de praticagem, considerado atividade essencial, deve estar permanentemente disponível nas zonas de praticagem estabelecidas.

Parágrafo único. Para assegurar o disposto no caput deste artigo, a autoridade marítima poderá:

I - estabelecer o número de práticos necessário para cada zona de praticagem;

II - fixar o preço do serviço em cada zona de praticagem;

III - requisitar o serviço de práticos. (grifos nossos)

Esta atribuição, como visto acima, já existia no ordenamento jurídico, porém encontrava-se relativizada pelo art. 6º, II, do RLESTA, que afirmava que a Autoridade Marítima determinaria a fixação do preço apenas nos casos em que não houvesse acordo entre o tomador e o prestador do serviço.

Portanto, após o Decreto nº 7.860/2012 e a consequente alteração da redação do art. 6º do RLESTA, a Marinha do Brasil passa a ser, em todos os casos, a autoridade competente para fixar o preço deste serviço em cada uma das Zonas de Praticagem.

Conjuntamente a isso, existe a atuação recente da CNAP, comissão que, desde dezembro de 2012, atua no debate, discussão e proposição de medidas para o setor da praticagem, o que inclui propor à Marinha do Brasil preços máximos para os serviços prestados em cada ZP. É importante mencionar que a CNAP delibera pela maioria absoluta (mais da metade do número de integrantes) de seus membros, conforme estabelece o artigo 3º do Decreto nº 7.860/2012. Como são 5 membros na comissão, bastam 3 deles para se obter a maioria absoluta necessária para a deliberação.

Contudo, importante mencionar que as referidas propostas da CNAP somente terão validade e eficácia caso forem posteriormente homologadas (confirmadas) pela Autoridade Marítima, que detém a competência legal para fixar o preço do serviço de praticagem, nos termos do art. 14 da LESTA.

Da análise do mencionado dispositivo, infere-se que a CNAP tem competência apenas para propor mudanças na praticagem nacional, conforme mencionado acima, as quais deverão ser encaminhadas à Autoridade Marítima, para homologação.

Como visto acima, a Marinha faz parte e preside a CNAP, porém, de qualquer forma, ainda segue sendo competência desta última homologar as propostas feitas pela CNAP.

As atividades realizadas pela CNAP


A elaboração da Proposta de Metodologia de Regulação de Preços do Serviço de Praticagem, publicada no início de 2013, foi o primeiro grande ato resultante da criação da CNAP e deu cumprimento ao art. 6º do Decreto nº 7.860/2012, que determinava que a CNAP submetesse à consulta pública a metodologia de regulação de preços por ela proposta, no prazo de 90 dias, contado da data de publicação do Decreto (em 07/12/2012).

Posteriormente, entre as principais ações adotadas pela CNAP está a divulgação, no dia 25 de setembro de 2013, da metodologia de regulação dos preços de praticagem (Resolução CNAP nº 3 publicada no Diário Oficial da União). Conforme a mencionada Resolução, os preços máximos do serviço em cada uma das 22 Zonas de Praticagem (ZP) existentes no país serão definidos a partir de uma equação na qual serão consideradas as seguintes variáveis:

  • Estrutura Inicial de Referência (modelo norte americano);

  • Remuneração de Referência;

  • Número de práticos participantes da manobra;

  • Arqueação bruta das embarcações;

  • Tempo de manobra;

  • Fator de qualidade;

  • Tributos incidentes.


Mais recentemente, em dezembro de 2013, a CNAP publicou a Consulta Pública nº 2, com as tabelas dos preços máximos de praticagem das ZPs 16, 14 e 12, que abrangem áreas nos portos dos estados de São Paulo, Espírito Santo e Bahia. A Consulta foi encerrada no dia 31 de janeiro de 2014.

Contudo, no dia 15 de janeiro de 2014, liminar da 17ª Vara Federal do Rio de Janeiro suspendeu o processo de fixação de preços para o serviço. Para a juíza Mariza Pimenta Bueno, da 17ª Vara, a nova proposta de regulamentação pode violar o princípio da livre iniciativa. Até o momento, a questão encontra-se judicializada e as tabelas de preços máximos ainda não estão em vigor.

 Posição da Agência Porto Consultoria



De todo o contexto narrado, conclui-se que o Governo Federal optou por fazer uma escolha, consubstanciada no Decreto nº 7.860/2012, a qual consistiu em manter a responsabilidade pela prestação do serviço de praticagem sendo exercida por associações privadas de práticos exclusivas nas Zonas de Praticagem (os práticos seguirão sendo autônomos).

A mesma decisão optou, também, por manter a responsabilidade pela regulação técnica (requisitos de habilitação, etc.) com a DPC/Marinha, que detém a expertise para tanto desde o tempo do antigo Ministério da Marinha.

No tocante à responsabilidade pela regulação econômica da praticagem, principal objetivo da decisão do Governo Federal, verifica-se que, até o momento, este último optou por que ela também seja exercida pela DPC/Marinha, porém com a ajuda e o impulso de uma Comissão Nacional (CNAP) que, além da própria Marinha do Brasil (Ministério da Defesa), envolve a participação de outros ministérios (Fazenda, Portos, Transportes) e da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), entidades diretamente envolvidas ou com a atividade de praticagem (Transportes, SEP e ANTAQ) ou com a formulação e execução de políticas econômicas (Fazenda).

A CNAP é a grande aposta do Governo Federal, que a incumbiu de competências específicas, algumas delas com prazo determinado, para propor medidas para o aperfeiçoamento da regulação econômica do serviço de praticagem, recomendando metodologia de regulação e preços máximos do serviço à Marinha, por exemplo.

E, para viabilizar o estabelecimento de uma regulação econômica ao setor, o governo mudou o marco regulatório e alterou a redação do art. 6º do RLESTA, impossibilitando, de agora em diante, a livre negociação dos preços de praticagem entre tomador e prestador do serviço. Esta decisão representa a escolha do Governo Federal por incumbir a Autoridade Marítima da tarefa de fixar os preços em cada zona de praticagem, com a assistência da CNAP.

Contudo, o governo tem enfrentado grandes dificuldades para tirar do papel tal regulação dos preços da praticagem. A queda de braço para forçar uma redução de preços não surtiu efeitos mesmo após 1 ano e 8 meses da criação da CNAP. Os práticos conseguiram liminares judiciais para brecar as tentativas do governo de impor uma tabela que impõe reduções de até 70% no atual teto de preços.

Ademais, caso os valores impostos pela CNAP sejam colocados em prática, com efetivas reduções de preço que variem entre 60% e 70% do faturamento das ZPs, a Agência Porto Consultoria acredita na possibilidade de uma considerável queda da qualidade do serviço atualmente oferecido, uma vez que reduções tão representativas podem, inclusive, inviabilizar a prestação do serviço.

Além disso, observa-se que, diante do risco de queda súbita na remuneração dos práticos, investimentos estão sendo represados desde o ano passado. A aquisição de lanchas, usadas para que esses especialistas nas manobras cheguem até os navios, vem sendo postergada.

Cada lancha pode custar até R$ 3 milhões, a qual se somam os equipamentos colocados nas embarcações. Infelizmente, todas as ações realizadas pela CNAP, gerou uma quebra de confiança dentro das ZPs, as quais optaram por esperar o deslinde da questão antes de fazer novos investimentos consideráveis.

Acreditamos, ainda, que a forma com a qual a CNAP desenvolveu suas atividades, sem estabelecer um diálogo mais próximo com as diversas ZPs, as quais não participaram da elaboração das tabelas de preços máximos, incitou um sentimento generalizado de imposição, que culminou com o descontentamento da categoria e a judicialização da questão, pior resultado que se poderia obter.

Para a solução definitiva da questão, com uma redução aceitável e viável dos preços da praticagem, a Agência Porto Consultoria entende ser necessário o estabelecimento de um canal de diálogo entre o Governo Federal e as diversas ZPs, sem que haja nenhuma tentativa de imposição.

Santos, 11 de julho de 2014.



Agência Porto Consultoria

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