“O Porto está na vanguarda das inovações da nova norma técnica”, diz especialista
Os portos brasileiros contam com novas regras para projetar seus acessos náuticos e verificar quais os maiores navios que podem receber. Trata-se da versão atualizada da norma ABNT NBR (Norma Brasileira da Associação Brasileira de Normas Técnicas) 13246, publicada no último dia 31 de julho, 22 anos depois de seu texto original.

Os impactos do texto foram tema do seminário Técnicas modernas de projeto de acessos náuticos com base na norma ABNT NBR 13246 2017, promovido pelo laboratório Tanque de Provas Numérico, da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), e o Conselho Nacional de Praticagem (Conapra) nas últimas terça e quarta-feira, na Capital.

Um dos palestrantes no evento, o doutor em Engenharia Oceânica e especialista em Engenharia Naval Edson Mesquita dos Santos, professor do Centro de Instrução Almirante Graça Aranha (Ciaga), a escola de profissionais da Marinha Mercante da Marinha do Brasil, destacou que a nova norma permitirá a escala de embarcações maiores nos complexos marítimos, ampliando a capacidade operacional deles e tornando suas atividades mais seguras.


Em entrevista exclusiva a A Tribuna, Santos analisou as consequências da atualização da norma no setor e as oportunidades que se abrem aos portos com ela. Confira a seguir.




Professor, quais as principais mudanças na nova versão da ABNT NBR 13246 2017? O quanto os portos estavam “desatualizados” sem ela?
As novas diretrizes da ABNT 13246 para planejamento das dimensões geométricas das vias navegáveis, do canal interior, de bacias de evolução (área de manobras no canal), fundeadouros e berços de acostagem atualizam as limitações da antiga norma de 1995, que estava caduca. A nova ABNT NBR 13246 tem como referência as recomendações internacionais em vigor, como por exemplo, o Relatório no 121, de 2014, da Associação Mundial para a Infraestrutura do Transporte Aquaviário, a PIANC, da qual o Brasil é um país membro desde 2006. Nos últimos anos, as normas internacionais também sofreram muitas mudanças e os portos brasileiros necessitam se adequar a elas para serem eficientes e competitivos. A nova norma é multidisciplinar e não se atém apenas a aspectos geométricos. Por exemplo, podem ser criados procedimentos operacionais para que um navio melhore sua navegação nas vias de acesso, com um nível de navegação seguro e aceitável. E com isto, reduzir o custo de dragagem. O calado máximo (profundidade máxima que uma embarcação atinge) não será único para todos os navios, como na antiga abordagem. Ele passa a ser definido para uma classe específica de navio. A antiga norma não incluía este tipo de abordagem. Em geral, a nova norma é menos conservadora, no entanto, mais técnica.




Nesses 20 anos que separam as normas, quais as principais mudanças no setor portuário que acabaram refletidas nessa nova versão?
Diversos parâmetros que definiam a geometria das vias de acesso eram fixos e com grande margem de segurança, muitos com definição subjetiva. Estes parâmetros agora são variáveis de controle que podem ser reduzidos, tanto na definição da geometria vertical quanto na horizontal. No entanto, para que esta redução possa ser efetuada com segurança, é recomendado o emprego de novas ferramentas de análise, como simuladores, tanto físicos como numéricos, a inclusão do fator humano e, também, a recomendação de análise e gerência de risco. A nova ABNT 13246 dá o detalhamento passo a passo destes processos, que são interativos, para serem aplicados desde a entrada do navio em uma área desabrigada de ondas até a um fundeadouro ou a um berço de atracação, incluindo o emprego de rebocadores.




Como essas mudanças afetam os portos já existentes, como Santos, com canais já dimensionados?
O Porto de Santos é um porto antigo que sempre vai necessitar de melhoramentos em função do crescimento dos navios. O ideal é que este planejamento para o melhoramento fosse de longo prazo. Santos, no entanto, numa condição de vanguarda, já é um exemplo da aplicação destas novas diretrizes da nova norma da ABNT. O emprego do sistema de calado dinâmico, já existente em outros portos internacionais, permite, em tempo real, fazer a verificação automática dos critérios da ABNT 13246 e das regulamentações da Autoridade Portuária e da Autoridade Marítima para o cálculo dos afundamentos máximos do navio em função da maré, mar, ventos e correntes. Isto cria janelas operacionais para a entrada do navio que aumentam a eficiência e a competitividade do Porto.




Então pode-se afirmar que, com base nessa norma, os portos passam a ter melhores condições para receber navios de maiores dimensões? Como isso ocorre?
Os novos grandes navios têm muitas diferenças na manobrabilidade e em suas características operacionais. Dentro de um canal, essas diferenças podem se tornar críticas. Há um grande contraste entre as condições de comportamento do navio em mar aberto e dentro de um canal confinado. A capacidade de controle de um navio é determinada pela combinação de sua manobrabilidade e as ações apropriadas de controle adotadas pelo comandante do navio e pelo prático. A solução para o problema vem a partir do melhor entendimento do controle do navio, do emprego de rebocadores adequados e do monitoramento contínuo e em tempo real das condições ambientais e não apenas de uma dragagem para aprofundamento e alargamento do canal. Esta é a nova filosofia da ABNT NBR 13246.




O sr. comentou que, a partir da nova norma, não haverá um calado máximo para todos os navios em um porto. Ou seja, cada tipo de embarcação terá um limite para o calado. Qual o impacto desta medida?
Vamos fazer uma comparação entre dois navios de uma classe bem conhecida, classe panamax (aqueles que têm até 289 metros de comprimento e 32,3 metros de largura e navegam com até 12 metros de calado), sendo um navio conteineiro e outro graneleiro. Aplicando a nova norma ABNT NBR 13246, em caso da existência de ondas apenas geradas por ventos locais, ou seja, ondas de períodos curtos, a margem de segurança exigida para o movimento em ondas será zero para ambos os navios, o que reduzirá bastante a margem de segurança para folga abaixo da quilha (FAQ) tanto para um como para o outro. No entanto, o navio conteineiro normalmente ganha inclinação dinâmica lateral quando sob ação de vento pelo través e o graneleiro não. O navio graneleiro poderia então ter um calado máximo operacional maior. Caso o aumento de calado seja, por exemplo, de 40 cm, o que pode parecer pouco para um leigo, teremos cerca de 3 mil toneladas a mais de carga podendo ser transportadas pelo navio graneleiro.




A nova norma também leva em consideração a navegação em lama fluida. Qual o reflexo desta medida?
A lama fluida pode ser levada em consideração desde que devidamente verificada e avaliada em função do tipo de navio. Nesse caso, seguindo as diretrizes da ABNT NBR 13246, precisamos definir o fundo náutico, ou seja, o nível no qual as características físicas do fundo atingem um limite crítico além do qual o contacto com a quilha de um navio causaria dano ou efeitos inaceitáveis de controlabilidade e manobrabilidade. O fundo náutico está por definição associado à manobrabilidade do navio. Os efeitos devidos à lama fluida no navio geram diferentes comportamentos do casco, alterações na resistência e propulsão, a máquina do navio pode aquecer e parar de funcionar porque a aspiração de água de refrigeração pode ficar entupida devido à lama, geram mudanças nas respostas do sistema de governo e a manobrabilidade do navio pode ficar comprometida. Ou seja, é possível navegar na lama, os portos poderão ser mais eficientes e competitivos, mas para isto aconteça são necessários estudos que garantam que esta navegação será efetuada com segurança.




A nova versão da ABNT NBR 13246 estabelece projetos mais complexos para os acessos náuticos portuários, que exigem a atuação de uma equipe multidisciplinar, não apenas com engenheiros, mas com oceanógrafos, meteorologistas e práticos. Qual a consequência desta mudança?
Gosto, quando tratando deste assunto, de seguir a abordagem da Associação Americana dos Engenheiros Civis (ASCE), que preconiza que, quando se planejando melhorias em um porto, devem ser considerados a segurança, a eficiência, a confiabilidade e os custos. E que, antes de se otimizar o projeto em relação aos custos, o projetista deve priorizar a segurança e a eficiência. A segurança vai depender do tamanho e da manobrabilidade do navio, dos auxílios à navegação, dos efeitos das forças ambientais e da experiência e do julgamento dos práticos. Então um bom projeto depende da avaliação correta de parâmetros ambientais, como corrente, vento e ondas e o julgamento da influência destes parâmetros nos fatores que definem a entrada segura do navio. Ou seja, precisamos de conhecimentos técnicos que não se restringem a uma engenharia específica. Precisamos da multidisciplinaridade das engenharias, de meteorologistas, oceanógrafos, hidrógrafos, práticos e operadores portuários para que o projeto atinja condições ótimas. Isto evitaria em muito o gasto que estamos tendo com dragagens e com resultados pífios.




Há um aumento da segurança dos portos com sua adequação à nova norma?
Sim, e inclusive a Autoridade Marítima, representada pela Diretoria de Portos e Costas (DPC, da Marinha do Brasil), já está aplicando a ABNT NBR 13246 como diretriz para novos grandes navios que desejam adentrar em canais existentes, novos projetos de acesso náutico e modificações aos vias de acesso existentes. Esta iniciativa procura garantir padrões internacionais de segurança em nossos portos.




Que impacto tem a inclusão de um gestor de risco na elaboração desses projetos ou reavaliações?
De acordo com a nova ABNT NBR 13246, a gestão de risco consiste em um procedimento lógico e sistemático com o objetivo de identificar todas as situações que possam levar a uma situação de perigo ligada à navegação, às manobras, à atracação e desatracação, à amarração de um navio de projeto em uma área portuária. Também devem ser levadas em conta as externalidades negativas do uso do acesso náutico, como por exemplo, poluição por derramamento de óleo, danos materiais ou mesmo fatalidade de indivíduos não relacionados à navegação. O que se procura é definir os riscos aceitáveis e o nível de segurança desejado para o uso das vias de acesso náutico. Fazendo uma associação com a aviação civil, temos o exemplo do aeroporto de Congonhas (São Paulo), que está fora de uma área segura, no entanto, são definidos níveis de segurança que garantem o pouso e decolagem dos aviões. Os portos deveriam começar a empregar está nova abordagem quando procurando otimizar suas operações.




O canal do Porto de Santos está sendo reavaliado por professores da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), com base nesta nova norma. Para quando o sr. prevê que os impactos desta norma serão percebidos no País?
Estas mudanças já estão começando a surtir efeito no Porto de Santos. A inclusão do calado dinâmico foi a primeira mudança importante. Inclusive, na quinta-feira passada, a empresa Argonáutica, que nasceu na Poli-USP, em conjunto com a Praticagem de Santos, ganhou o prêmio de iniciativa inovadora da Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários). O Porto de Santos, em parceria com os professores da Escola Politécnica, está na vanguarda destas inovações. E conforme for sendo constatada a eficiência obtida com os resultados, outros portos irão seguir no mesmo caminho. Alguns portos do Espírito Santo e do Rio de Janeiro já são exemplo desta afirmativa.




Os portos e o próprio setor estão preparados para atender essas novas demandas previstas pela norma? Quais os gargalos que devem surgir para a implantação da norma?
Alguns portos já estão em condições de atender as novas demandas. O principal gargalo estará no custo inicial para instalação de equipamentos para monitoração de dados ambientais e na incorporação de novos profissionais qualificados.




Em sua palestra no seminário da Poli-USP e do Conapra, o sr. falou da necessidade de uma “Nova Engenharia” para atender essas demandas. O que é essa “Nova Engenharia?
Precisamos de cursos de graduação em Engenharia Portuária e Engenharia de Dragagem. Precisamos de formação de tecnólogos em Gerência de Transporte Marítimo com ênfase na Logística Portuária. Nesta área, muito do que se é aprendido hoje é apenas obtido na prática, ou seja, na beira do cais.




Os setores portuário e de navegação continuam evoluindo. Temos novas tecnologias surgindo constantemente. Quando será necessário começar a reavaliar essa segunda versão da norma ABNT ABR 13246?
O ideal é que os portos começassem a reavaliar seus procedimentos agora. Planejamentos de vias navegáveis são processos de avaliação contínua e precisam de realimentação técnica que permitam a incorporação de metodologias objetivas para a definição segura da entrada e saída de um navio no porto, assim como já efetuado há muitos anos no transporte aéreo. O investimento em novas tecnologias, bem como a instalação de equipamento para a monitoração de dados ambientais em conjunto com a integração de novos profissionais qualificados para a gestão de risco, logística e análise de dados ambientais pode inicialmente representar, em curto prazo, um custo elevado. Mas os portos que não perceberem a sua importância a tempo podem estar destinados nos próximos anos à falência.

Fonte: A Tribuna, 12/11/2017.

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