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A Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp) e a Transpetro, subsidiária da Petrobras, travam uma disputa em torno do contrato de arrendamento da empresa no Porto de Santos, que vence no dia 21 de junho.
O valor pago hoje pela estatal é considerado muito inferior ao preço de mercado da área, mas as companhias estão longe de chegar a um acordo, e há risco de judicialização do caso.
A Transpetro ocupa uma área de 250 mil metros quadrados, na zona mais nobre de Alemoa, na margem direita do Porto de Santos, onde a empresa movimenta granéis líquidos - principalmente derivados de petróleo, como diesel, gasolina e gás natural.
A empresa firmou o contrato original em 1993. Em 1999, fez um aditivo que garantiu a vigência até 2014. Desde o encerramento do prazo, a subsidiária da Petrobras continua operando no local com base em contratos de transição - que dispensam licitação e têm prazo máximo de 180 dias. Até hoje, já foram firmados dez contratos do gênero, sem que uma nova licitação da área fosse realizada.
Hoje, a Transpetro paga R$ 18 milhões por ano pela área. A Codesp avalia em R$ 400 milhões anuais o valor correto pelo arrendamento. Após quase três meses de negociações, a empresa aceitou pagar menos de 10% do montante - o que a autoridade portuária não está disposta a aceitar.
"Na prática, o Porto de Santos está subsidiando a Petrobras. Não apenas a Codesp, mas também as empresas que atuam no porto", afirma Casemiro Tércio Carvalho, presidente da companhia docas. Para ele, contratos como o da Transpetro não poderiam existir, porque acordos de transição pressupõem que há um novo processo de licitação em curso, o que não foi feito pelas últimas gestões da autoridade portuária. "Temos que acabar com esse tipo de 'puxadinho' no porto", diz ele.
O contrato da subsidiária da Petrobras não é o único em revisão. Desde que a equipe de Carvalho assumiu, no início deste ano, já foram renegociados três outros acordos do gênero, com Transbrasa, Pérola e Fibria, que sofreram reajustes de 35%, 67% e 75%, respectivamente. "A ideia é renegociar todos os contratos, à medida que forem vencendo."
A metodologia usada pela autoridade portuária foi a mesma em todos os casos, incluindo o da Transpetro. A Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) não tem uma regra específica para contratos de transição, mas a Codesp utilizou como base diretrizes do órgão regulador, definidas no manual de Análise para Estudos de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA) e em portarias da agência.
Em termos gerais, o cálculo contabiliza receitas e despesas ao longo do contrato, e traz o montante a valor presente. A taxa de retorno é de 9,38%, índice definido pela Antaq. O valor restante corresponde ao pagamento cobrado pela autoridade portuária. Como acordos de transição não preveem investimento - já que os ativos foram amortizados -, a cobrança tende a ser maior do que em contratos novos. "Não estamos inventando um cálculo, nossas planilhas estão abertas", diz Carvalho.
Procurada pela reportagem, a Transpetro afirmou, em nota, que seu contrato de transição no Porto de Santos é legítimo, que o modelo está regulamentado pela Antaq e é utilizado amplamente em vários portos do país.
A empresa disse que não se manifestaria sobre as negociações, mas disse que a manutenção da operação é "crucial para o abastecimento do mercado nacional". Segundo a nota, a área é responsável pelo abastecimento de São Paulo e do Centro-Oeste, e pelo escoamento das refinarias Presidente Bernardes (em Cubatão), Recap (Mauá), Henrique Lage (São José dos Campos) e Replan (Paulínia).
O Ministério de Infraestrutura e a Antaq estão a par da discussões e já fizeram reuniões para tentar mediar a situação. Procurado, o ministério afirmou, em nota, que a Codesp segue orientações do governo para que haja "adequada precificação para exploração de áreas nos portos públicos", com "contratos mais adequados à realidade de mercado, sem que se coloque em risco as operações".
A Antaq disse em nota que considera legítima a iniciativa da Codesp de repactuar os valores, evidentemente defasados. A agência defende um acordo entre as partes que preserve "a continuidade da operação, com a Transpetro pagando valores de mercado". "Vale frisar que o melhor cenário é possibilidade de uma inexigibilidade de licitação", afirma ainda a nota.
Com o vencimento do contrato próximo e ainda sem uma perspectiva de acordo, a Codesp deverá propor uma arbitragem para evitar a judicialização, segundo Carvalho. Neste caso, as partes decidiriam juntas como ficaria a operação do terminal durante o processo - a decisão teria efeito retroativo a esse período.
A autoridade, porém, já se prepara para o pior cenário: se a arbitragem não for aceita, haverá disputa judicial e, a partir do dia 21, os navios da empresa passarão a ter seu acesso bloqueado.
Carvalho nega que haja risco ao abastecimento do país caso a operação seja afetada. O terminal movimenta derivados de petróleo que poderiam ser substituídos por importações ou trazidos de outros portos via cabotagem ou rodovias, segundo a Codesp. No caso do gás natural, a operação poderia ser feita por outras empresas do mercado, já que o produto é importado, diz a empresa.
A autoridade portuária ressalta que já trabalha em um novo edital que, em tese, poderia ser lançado imediatamente. Após uma sondagem informal no mercado, ao menos dois grupos já teriam demonstrado interesse.
Para o presidente, a relicitação da área ampliaria a movimentação. Como a Transpetro presta serviços só para a Petrobras, o local é subutilizado, e há diversos bolsões com potencial de expansão, afirma o executivo. Um novo arrendatário, diz, adensaria o espaço, tal como fizeram as empresas que operam nas áreas vizinhas à Transpetro. (Colaborou Carlos Prieto)
Fonte: Valor, 12/06/2019.
O valor pago hoje pela estatal é considerado muito inferior ao preço de mercado da área, mas as companhias estão longe de chegar a um acordo, e há risco de judicialização do caso.
A Transpetro ocupa uma área de 250 mil metros quadrados, na zona mais nobre de Alemoa, na margem direita do Porto de Santos, onde a empresa movimenta granéis líquidos - principalmente derivados de petróleo, como diesel, gasolina e gás natural.
A empresa firmou o contrato original em 1993. Em 1999, fez um aditivo que garantiu a vigência até 2014. Desde o encerramento do prazo, a subsidiária da Petrobras continua operando no local com base em contratos de transição - que dispensam licitação e têm prazo máximo de 180 dias. Até hoje, já foram firmados dez contratos do gênero, sem que uma nova licitação da área fosse realizada.
Hoje, a Transpetro paga R$ 18 milhões por ano pela área. A Codesp avalia em R$ 400 milhões anuais o valor correto pelo arrendamento. Após quase três meses de negociações, a empresa aceitou pagar menos de 10% do montante - o que a autoridade portuária não está disposta a aceitar.
"Na prática, o Porto de Santos está subsidiando a Petrobras. Não apenas a Codesp, mas também as empresas que atuam no porto", afirma Casemiro Tércio Carvalho, presidente da companhia docas. Para ele, contratos como o da Transpetro não poderiam existir, porque acordos de transição pressupõem que há um novo processo de licitação em curso, o que não foi feito pelas últimas gestões da autoridade portuária. "Temos que acabar com esse tipo de 'puxadinho' no porto", diz ele.
O contrato da subsidiária da Petrobras não é o único em revisão. Desde que a equipe de Carvalho assumiu, no início deste ano, já foram renegociados três outros acordos do gênero, com Transbrasa, Pérola e Fibria, que sofreram reajustes de 35%, 67% e 75%, respectivamente. "A ideia é renegociar todos os contratos, à medida que forem vencendo."
A metodologia usada pela autoridade portuária foi a mesma em todos os casos, incluindo o da Transpetro. A Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) não tem uma regra específica para contratos de transição, mas a Codesp utilizou como base diretrizes do órgão regulador, definidas no manual de Análise para Estudos de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA) e em portarias da agência.
Em termos gerais, o cálculo contabiliza receitas e despesas ao longo do contrato, e traz o montante a valor presente. A taxa de retorno é de 9,38%, índice definido pela Antaq. O valor restante corresponde ao pagamento cobrado pela autoridade portuária. Como acordos de transição não preveem investimento - já que os ativos foram amortizados -, a cobrança tende a ser maior do que em contratos novos. "Não estamos inventando um cálculo, nossas planilhas estão abertas", diz Carvalho.
Procurada pela reportagem, a Transpetro afirmou, em nota, que seu contrato de transição no Porto de Santos é legítimo, que o modelo está regulamentado pela Antaq e é utilizado amplamente em vários portos do país.
A empresa disse que não se manifestaria sobre as negociações, mas disse que a manutenção da operação é "crucial para o abastecimento do mercado nacional". Segundo a nota, a área é responsável pelo abastecimento de São Paulo e do Centro-Oeste, e pelo escoamento das refinarias Presidente Bernardes (em Cubatão), Recap (Mauá), Henrique Lage (São José dos Campos) e Replan (Paulínia).
O Ministério de Infraestrutura e a Antaq estão a par da discussões e já fizeram reuniões para tentar mediar a situação. Procurado, o ministério afirmou, em nota, que a Codesp segue orientações do governo para que haja "adequada precificação para exploração de áreas nos portos públicos", com "contratos mais adequados à realidade de mercado, sem que se coloque em risco as operações".
A Antaq disse em nota que considera legítima a iniciativa da Codesp de repactuar os valores, evidentemente defasados. A agência defende um acordo entre as partes que preserve "a continuidade da operação, com a Transpetro pagando valores de mercado". "Vale frisar que o melhor cenário é possibilidade de uma inexigibilidade de licitação", afirma ainda a nota.
Com o vencimento do contrato próximo e ainda sem uma perspectiva de acordo, a Codesp deverá propor uma arbitragem para evitar a judicialização, segundo Carvalho. Neste caso, as partes decidiriam juntas como ficaria a operação do terminal durante o processo - a decisão teria efeito retroativo a esse período.
A autoridade, porém, já se prepara para o pior cenário: se a arbitragem não for aceita, haverá disputa judicial e, a partir do dia 21, os navios da empresa passarão a ter seu acesso bloqueado.
Carvalho nega que haja risco ao abastecimento do país caso a operação seja afetada. O terminal movimenta derivados de petróleo que poderiam ser substituídos por importações ou trazidos de outros portos via cabotagem ou rodovias, segundo a Codesp. No caso do gás natural, a operação poderia ser feita por outras empresas do mercado, já que o produto é importado, diz a empresa.
A autoridade portuária ressalta que já trabalha em um novo edital que, em tese, poderia ser lançado imediatamente. Após uma sondagem informal no mercado, ao menos dois grupos já teriam demonstrado interesse.
Para o presidente, a relicitação da área ampliaria a movimentação. Como a Transpetro presta serviços só para a Petrobras, o local é subutilizado, e há diversos bolsões com potencial de expansão, afirma o executivo. Um novo arrendatário, diz, adensaria o espaço, tal como fizeram as empresas que operam nas áreas vizinhas à Transpetro. (Colaborou Carlos Prieto)
Fonte: Valor, 12/06/2019.